Caríssimo Pai Natal, antes de mais deixa-me tentar esclarecer uma coisa. Não és meu pai, portanto não te vou chamar pai, nem de Natal nem de Páscoa, nada. Não te vou chamar de vermelhão, pois ainda aparece aí a Fafá de Belém com o "meu coração é vermelho, de vermelho vive o coração eh óóó", estás a ver a cena. Barrigudo também não te chamo, pois já te vi tantas vezes em tanto sítio, e umas vezes apareces de barrigão, outras és um trinca-espinhas (deve ser da crise), não joga bem. Como apareces sempre é de barbas, vou chamar-te de Barbaças, pode ser? Seja...
Meu caro Barbaças, está a chegar o Natal. Dizem que nesta altura todos devemos ser melhores, como se não fosse para ser nas outras alturas do ano. Mas pronto, as pessoas tentam "ser melhores" nesta altura. Junta-se a família, junta-se o boi com a vaca e mete-se o miúdo nas palhas. Diz-se também que é tempo de virem os 3 Reis Magos nos camelos entregar presentes ao miúdo. Acho que agora, ou eles vêm de moto ou nunca mais chegam ao destino. É só a minha opinião.
Mas estava eu a falar de presentes. Não sei se sabes, mas o pessoal delira com os presentes no Natal. Pode não haver dinheiro para comer, mas tem de haver para aquele carro telecomandado da montra. Usam-se os cartões de crédito até mais não, e passa-se o ano seguinte a pagá-los! Mas os tugas são assim, tu já nos conheces, ou não fôssemos nós um povo à beira de um buraco quase tão grande como o do ozono.
Mas vamos aos presentes. Se o pessoal do governo os recebe sem fazer nenhum, eu que trabalho tenho o direito de pedir qualquer coisa. Ora, e assim começo a minha lista de presentes de Natal...
Barbaças, como já sabes eu não sou pessoa de pedir coisas. Fui habituado a não pedir, pois sabia que só me dariam algo se houvesse possibilidade disso. O que viesse era bem vindo. Agora, mantenho estes valores comigo. E sendo assim a minha lista de Natal deste ano resume-se a pedidos de sentimentos e atitudes. Sentimentos e atitudes que gostaria de sentir à minha volta, por mim, e para mim. Vou passar aos desejos.
Amor. Num mundo como este, onde todos estão virados para o seu umbigo, acho que desaprendemos a amar. Esquecemos os sentimentos, não os tornamos puros pois na realidade não nos empenhamos o suficiente. Desejava que houvesse esse sentimento para mim, por mim, e para os que me rodeiam. Amor da família, amor da(o) namorada(o) ou esposa(a), amor da amizade dos amigos. Barbaças, eu sei que é difícil, mas tenta fazer com que o pessoal ame mais, com pureza e sem maldade.
Amizade. Barbaças, tenho notado que a palavra amizade é um conceito muito frágil hoje em dia. Noto que as amizades são temporais, ocasionais, casuais. Custa-me dizer isto, mas sinto que "os amigos para a vida" já não existem, ou cansaram-se de lutar pelo verdadeiro sentido da amizade. As pessoas aproximam-se, tornam-se amigos, e depois se se têm de afastar parece que esquecem dos "amigos". Parece que já não há aquele desejo de manter as amizades que nos tocaram. Parece que a ideia de sacrifício por um amigo já não é real. Lembro-me em tempos de levar porrada por defender um amigo, lembro-me de sair de casa de bicicleta em pleno inverno gelado pois um amigo precisava de ir aqui ou ali. Lembro-me também de me desviar do meu caminho, pois alguém precisava de mim fora do meu caminho traçado. E hoje, actualmente, o que acontece? Falo por mim, e em diversas ocasiões, que sinto ou vejo acontecer casos de alguém não ir a algum lado ou fazer alguma coisa porque "não apetece", ou não dá jeito. Não sinto que as pessoas façam sacrifícios em prol da amizade. Eu sinto que faria o sacrifício de percorrer 50km se algum amigo precisasse de mim, sinto que me despacharia a correr se algum amigo precisasse de estar comigo daqui a 10min, sinto que sairia da cama às 3h da manhã se algum amigo precisasse que eu o fizesse. Mas isto sou eu. Infelizmente não vejo grandes demonstrações deste tipo de disponibilidade em muita gente. Sei que estou a abusar na questão da amizade, mas faz aí uma mágica que permita também às pessoas levar a sério o conceito de amizade no que toca à questão de contar com os amigos para um desabafo. Tantas e tantas vezes eu vejo e sei de situações e histórias que não era suposto saber pois alguém teria pedido para ser segredo. Tantas e tantas vezes eu sei de histórias espalhadas por alguém a quem eu pedi segredo. Barbaças, indicia às pessoas a amizade como um confessionário. Num confessionário nós podemos desabafar, sermos ouvidos, quiçá sermos compreendidos, e saber que a confissão não vai sair dali. Sigilo de confessionário, dizem os padres. Pois bem, haja também sigilo de amigo. Caro Barbaças, estou a pedir-te muito?
Honestidade e seriedade. Estes são sentimentos que andam interligados. Barbaças, faz com que as pessoas sejam honestas, sérias. Dou por mim a ver as pessoas a falarem umas das outras pelas costas. Dou por mim a ver uns enganarem os outros. E tanto que eu vejo, no que toca às pessoas a atirarem areia para os olhos uns dos outros. Até a mim, Barbaças, já me quiseram atirar tanta areia para os olhos. Acho que o que me vai valendo é o facto de eu usar óculos, e a areia bater nas lentes. Acho que é por isso que os tenho tão riscados. Mas adiante... Caríssimo, sei que é complicado, mas não podes fazer com que as pessoas façam o que dizem, e não o contrário? Actualmente dizem-me uma coisa, e fazem outra. Tem calhado muita vez eu estar a falar, desabafar, e até concordarem comigo, e depois vão comentar a este ou aquele que eu estou errado ou faço mal. Porquê, Barbaças? E as vezes que me dizem "fica descansado", "achas que vou contar a alguém?" e afinal vão mesmo! Achas bem? Não, pois não? Consegues resolver isso? Consegues que as pessoas sejam de confiança, sejam honestas? O mundo precisa de pessoas honestas. Para gatunos e chupistas já existe o staff do governo...
Alegria. Barbaças, tu já me conheces, sabes como sou. Estou sempre na palhaçada, sempre no gozo, tento sempre estar alegre e divertido e que todos estejam assim. Mando piadas, calinadas, digo parvoíces, faço-me de parvinho muita vez. Ora, o que te peço é que me dês ânimo para continuar assim. Como sabes eu tenho estas atitudes pois não gosto muito de falar a sério. Quando falo a sério é porque algo está muito mau. Tu sabes isso, barbaças. Consegues ajudar-me? É que como sabes, há muita vez que tenho esta atitude alegre, mas estou desolado por dentro. Aparento leveza de espírito, mas há algo que me corrói o pensamento. Faço-me de forte, guardo os problemas para mim, mantenho-me na minha e de cara alegre, para que os outros não se apercebam nem fiquem preocupados. Todos têm os seus problemas, não precisam de levar com os meus. Ainda assim, às vezes vacilo no que toca a disfarçar. É aqui que te peço ajuda. Não me deixes vacilar. Dá-me uma dose extra de força interior para que não deixe transparecer o meu verdadeiro estado de espírito, não interessa se estou muito mal, muito desanimado, ou sem vontade de cá andar. Interessa sim que não transpareça isso. Pões alegria no meu sapatinho?
Companheiro Barbaças, estarás tu habituado a ter estes pedidos? Estarei a ser exigente demais?
Bom, Barbaças, sei que a carta já vai longa, mas espero que a possas ler com atenção, e que possas fazer algo por mim, pelos que me rodeiam, e pela população em geral... Força aí, se precisares de ajuda diz.
Vemo-nos no dia de Natal.
Um grande abraço...